No dia em que eu…

…perdi a minha banda preferida para o mainstream (ou a problemática da música que deixa de ser cool quando atinge as massas).

Há poucos dias, em conversa com um amigo, sobre os alinhamentos dos festivais de Verão aí à porta, surgiu o nome dos alt-J e sabendo-o grande fã dos mesmos perguntei-lhe que tinha achado do seu segundo álbum, curiosa com a sua opinião seguramente conhecedora, já que depois do refrescante e ímpar álbum estreia An Awesome Wave, o recente This Is All Yours me pareceu francamente morno e insosso. A sua resposta apanhou-me de surpresa: “Ainda nem ouvi… é bom? Perdi o interesse neles quando toda a gente começou a ouvi-los…”. A minha surpresa não foi tanto a resposta em si, porque este tipo de afirmação é hoje em dia mais mainstream que o próprio mainstream, mas por vir de alguém que eu considerava superior a esta afectação hipster que nos faz pôr de lado uma banda que adoramos, só porque um dia uma rádio mais comercial passou um dos seus singles ou porque um amigo nosso de gosto musical menos refinado referiu o seu nome em vão (blasfémia!). Mas não terá sido este o mesmo amigo, cujo mural de Facebook meses atrás bombardeávamos com vídeos dessa banda, acompanhados das famosas punch lines: “Tens de ouvir isto!” ou “Esta vai ser a tua nova banda preferida!”?

A nossa conversa desenrolou-se então nesta discussão (saudável!) – tópico que afinal parece ter pano para mangas -, onde ele me acusava de padecer do mesmo mal e eu ia rebatendo com os argumentos de quão redutora e hipócrita me parecia ser este tipo de postura, enquanto ao mesmo tempo nomes de artistas iam disparando alarmes hiptsers gritantes na minha cabeça. Mais para o fim lá acabei por admitir um nome ou outro que, de forma mais ou menos justificada, me caiu em desgraça quando aclamado pelas bocas do mundo.

Afinal parece que, até em questões de gostos musicais, existe em todos nós um pouco daquela vaidade própria de quem gosta de bradar no cúmulo do exagero coisas como: “Eu já ouvia essa banda quando a banda ainda nem sabia que era banda!”. Pretensiosismo este que choca de forma curiosa com o nossa indignação quando um artista não tem a visibilidade que consideramos justa, batalha que assumimos travar acaloradamente até que as vozes de burro cheguem aos céus.

É importante no entanto não meter tudo no mesmo saco, já que todos conhecemos artistas que, ou por não saberem responder ajustadamente à inesperada pressão mediática, ou por se quererem lançar em voos mal calculados que se despenham na primeira montanha, acabam por desvirtuar completamente a sua identidade. Falsas despretensões à parte, eu confesso aqui também os meus pecados de vaidade e assumo que alguns artistas me foram roubados pelo mainstream. Mas, helás, o segredo de confissão não me permite revelar nomes.

5 thoughts on “No dia em que eu…

  1. Eu confesso que me revejo em parte nesse discurso. Não porque tenha algum problema em partilhar os gostos das massas (em certas coisas partilho), e muito menos por achar que uma banda ou actor deixa de ser cool ou que se esteja a prostituir quando está a colher frutos do seu trabalho árduo.
    Só que mover-se no mainstream significa SEMPRE, SEMPRE que os artistas vão ser mudados. Na Indústria mainstream joga-se noutro campeonato. Aqui movem-se milhões.
    Há Managers, Editoras, Equipas de Relações Públicas, Imprensa, Fãs e todo um rol de pessoas e jogos de interesses que passam a rodear as bandas (e os actores) que atingem um determinado grau de fama e de reconhecimento. As Bandas (e os Actores) deixam de ser eles próprios para serem um “Produto” e esse produto é estudado, formatado, trabalhado porque tem que ser vendido a QUALQUER custo.
    (Ninguém fala do novo disco da Madonna? Não faz mal vamos pô-la a beijar um rapper no Festival de Coachella.. Isso vai manter a imprensa a falar. Ainda não se fala o suficiente ? Vamos pôr a circular umas fotos que ela tirou nua há 30 anos para a Playboy!)
    Onde é que fica a música e a arte no meio disto? Isso é o que me preocupa mais…
    Esse buraco negro que suga a alma e destrói tudo o que há de genuíno, de verdadeiro e de diferente é que me assusta quando uma banda ou actor que eu gosto atinge a Fama ou o Mainstream. Mas eu não sei nada e estou a escrever aqui na qualidade de fã desgostosa que está a perder lentamente o seu actor coqueluche para o mainstream.
    E pior… gostei do novo álbum dos Alt-J… Sou o horror dos hipsters e do mainstream

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  2. Confesso que padeço do mesmo mal, principalmente no que se refere aos Muse… Quando pessoas me diziam que foram vê-los ao Estádio do Dragão, respondia do alto da minha vaidade que os vi em 2002 na Aula Magna. Na altura mal sonhava que eles seriam uma banda que um dia iriam esgotar estádios, muito menos seguir um caminho que pouco tem a ver com o Showbiz ou com o Origin of Simmetry. A verdade é que hoje sinto-me uma privilegiada por ter assistido a esse concerto e não o trocava por um estádio e mega produções por nada.
    Mas acaba por ser um comportamento natural. Quando começamos a acompanhar uma banda logo desde o seu início, criamos alguma resistência quando essa mesma banda começa a seguir outros caminhos… principalmente se for de massas. Se é um comportamento hipster ou não, não sei, talvez o seja, mas a verdade é que não temos este tipo de comportamento com uma banda qualquer, mas sim com bandas que nos dizem/disseram muito um dia.

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  3. Será que eles serão mainstream porque se adaptam ao que o público quer ou apenas porque o público os descobre?
    Lembro-me de um ou dois nomes também que deixei de ouvir porque TODA a gente passou a ouvir, mas… Eu não deixei de ouvir por que toda a gente começou a ouvir. Foi mesmo porque a essência deles desapareceu e foi para um local desconhecido e distante. Ficou no local onde os publicists, managers, promotores, editoras e afins apareceram e transformaram um artista numa máquina de fazer dinheiro.
    Há quem o faça. Há quem seja feliz. Há quem faça muito dinheiro e seja terrivelmente infeliz.

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  4. Por isso é que cada vez há cada vez mais artistas e músicos que procuram lançar a sua música e o seu trabalho online e criar as suas próprias editoras e produtoras numa onda de resistência contra essa visão unicamente mercantilista da indústria do entretenimento.
    Isso permite-lhes ter algum tipo de controlo sobre o seu trabalho e a sua arte e não serem simples máquinas de fazer dinheiro que estão rodeados de bajuladores, e “yesmen” que lhes insuflam o ego com mentiras e distorções da realidade e os afastam da normalidade das pessoas comuns.
    (Por acaso era de mérito haver uma profissão de “No men” ou “No woman” que se definia por dizer a um artista, banda ou actor mainstream aquelas verdades que toda a gente tem medo de lhe dizer porque é o artista ou a banda que lhes paga o salário, do tipo:
    ” Ouve lá ó meu grande palonço, essas coisas todas que estás a mudar em ti são precisamente as coisas pelas quais as pessoas comuns são tuas fãs” ou
    “Não, não isso não é ser rebelde é ser parvo, idiota e malcriadão.”
    ” Meus meninos, o vosso álbum não é indie e avant-garde é mesmo uma grande m&$#& nojenta e pretensiosa” etc. etc.
    Eu posso-me voluntariar para esse trabalho e não precisam de me pagar 😀

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  5. Como eu já esperava isto é tema que levanta muitas questões e pontos de vista diferentes (e ainda bem!). Eu quando o escrevi mais do que as questões relacionadas com a indústria mainstream, a pressão sentida pelas bandas que de repente saltam de um universo pequeno para um mercado colossal, etc, etc (isso é tudo tópico para mais mil posts diferentes), mais do que tudo isso estava interessada em explorar aquela nossa pretensão ou sentido de posse de um artista que, por um lado queremos dar a conhecer a todos, por outro queremos guardá-lo só para nós e que depois sentimos aquela desilusão quando de repente cai na graça das massas. Já vi isto acontecer com muito boa gente e eu própria já o senti em relação a algumas bandas, e em resumo acho interessante 🙂

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