Os Sobreviventes do 25 de Abril no Teatro das Figuras em Faro

“Somos os três demasiado novos para saber o que este disco significou quando saiu, por isso talvez nos tenhamos sentido tão à vontade para o assassinar” brincou ontem B Fachada para a plateia parca de gente no Teatro das Figuras em Faro, na celebração dos 41 anos da revolução do 25 de Abril.

O trio composto por B Fachada, Francisca Cortesão (Minta) e João Correia (TAPE JUNk) trouxe-nos o seu projecto Os Sobreviventes “gravado durante o verão na simplicidade do lar, com mais vontade que microfones e um original de 71 como único supervisor”, como puderam ler aqueles que quiseram/puderam trazer consigo o cd disponibilizado para venda à saída do concerto. Editado em 2012, Os Sobreviventes é uma reconstrução feita pelos três do emblemático álbum de estreia de Sérgio Godinho, com o mesmo nome, que em 2012 celebrou 40 anos da sua edição. Este trabalho tem a visão e a estética musical declarada de B Fachada que conseguiu aproximar assim duas eras que, embora separadas entre si em quatro décadas, assumem hoje contornos e semelhanças preocupantes, nestes últimos anos de recessão e crise vividos em Portugal, que nos fazem questionar novamente muitos valores e conceitos de liberdade.

O projecto estreou-se ao vivo no 25 de Abril do ano passado no Lux em Lisboa e este ano a revolução rumou um pouco mais a sul e veio até Faro. Revolução é na verdade uma hipérbole para a noite de ontem. Numa sala praticamente vazia B Fachada e companhia cumpriram o disco Os Sobreviventes do início ao fim num esforço de justificar afinal a noite que se deveria estar ali a celebrar. O próprio ironiza a dada altura quando nos diz: “Feliz 25 de Abril ou é bom 25 de Abril? Nunca sei como se diz.”.

Quem lá esteve sentiu a obrigação de bater palmas por si e por mais 20, numa espécie de vergonha alheia de ver tantos lugares vazios numa noite que merecia casa cheia. O entusiasmo lá se sentiu por vezes e, com a ajuda da boa acústica do teatro, por alguns momentos a noite não nos pareceu tão abandonada. Onde estariam todos afinal? Talvez as celebrações estivessem a acontecer por outras bandas que desconhecêssemos. Talvez o discurso do nosso primeiro ministro pela hora do jantar tivesse causado uma indigestão colectiva que prendeu a maioria em casa. Ou talvez muitos simplesmente  tivessem optado por ficar no conforto do lar a fazer as contas do orçamento que até final do mês não estica para estes luxos culturais e a remoer o 25 de Abril que este 2015 nos lixou com um sábado chuvoso, não bastassem todos aqueles outros feriados idos que já ninguém sabe bem quais eram, só se sabe que foram de férias e não voltaram.

Independentemente dos motivos, ontem dia 25 de Abril de 2015 em Faro, na voz agitadora de B Fachada cantou-se Sérgio Godinho, que já há coisa de quatro décadas com a sua música “Que bom que é” do trabalho Os Sobreviventes nos alertava:

Vivo com uma faca espetada nas costas, ai!
Que bom que é
que bom que é
que bom que é
Sentado à espera de D. Sebastião
A cadeira nem é minha, é do papão
que bom que ele é,
que bom que ele é,
– Um, dois, um-dois-três, paciência, fica pra outra vez

Vivo com a fome entalada na garganta
Que bom que é
que bom que é
que bom que é
Sentado à espera que o céu me dê pão
A cadeira, emprestou-ma o sacristão
que bom que ele é
que bom que ele é
– Um, dois, um-dois-três, paciência, fica pra outra vez

Vivo a trabalhar nove dias por semana
que bom que é
que bom que é
que bom que é
Sentado à espera da revolução
A cadeira, emprestou-ma o meu patrão
que bom que ele é
que bom que ele é
– Um, dois, um-dois-três de Oliveira & quatro

Vivo com uma faca enterrada nas costas, ai!
que bom que é
que bom que é
que bom que é
Sentado à espera de D. Sebastião
a cadeira nem é minha, é do papão
que bom que ele é
que bom que ele é
– Um, dois, um-dois-três, esta agora vai de vez

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