Livros, leituras e a actual guerra das imagens contra as palavras

Recentemente numa conversa sobre leituras e livros, uma amiga leitora perguntou-me como é que eu pensava conseguir acabar o meu desafio de leitura de 2016 do “Goodreads” (para quem não sabe é uma rede social para amantes de livros), se só estava a ler livros com mais de 500 páginas?

A questão, totalmente inesperada (e descabida), deixou-me francamente surpreendida.
Ingenuamente tenho estado a encarar o desafio do “Goodreads” como um incentivo à leitura e não como uma competição “online” ou como uma meta obrigatória que tenho que cortar no final do ano! Aliás, quando me inscrevi no “Goodreads”, fi-lo com a crença inocente de que esta era uma rede social diferente das outras, para vir a descobrir que afinal, se bem que mais bem disfarçada e politicamente correcta, há também ali uma certa competição social e intelectual, que não é claramente assumida mas que existe – (não só quanto ao número de livros lidos mas também quanto ao tipo de livros que são lidos).

A nossa actual preocupação obsessiva em transmitir uma auto-imagem perfeita e idealizada nas redes sociais está tão enraizada em nós que até uma rede social como o “Goodreads” já padece desse mal .
Não nos chega “photoshopar” as nossas “selfies” para apagar os nossos defeitos físicos e projectar uma imagem superficial física mais apelativa e atraente de nós, também temos que “photoshopar” a nossa personalidade, o nosso currículo, os nossos feitos e as nossas proezas.

A rapidez a que as coisas acontecem nas redes sociais leva-nos a acreditar que só conseguimos ser perfeitos, relevantes e importantes se formos igualmente rápidos a reagir, a opinar, a participar, e a partilhar tudo, tudo o que vemos, temos e queremos ter e ser, sem qualquer reflexão e sem grandes preocupações com o conteúdo ou com a forma como o fazemos. E para sermos ouvidos e relevantes nas redes sociais temos quase  sempre que “gritar”, insultar e desrespeitar a opinião dos outros e fazer prevalecer a nossa.

A constante necessidade de velocidade do mundo actual faz-nos também olhar com falta de interesse e paciência tudo o que seja demorado, difícil, que nos exija esforço, trabalho e seja consumidor de tempo. Estamos a ficar dormentes e formatados para temer e evitar tudo o que envolva parar, observar, reflectir e pensar profundamente as coisas.

(Paradoxalmente a nossa necessidade de quietude, de foco e de concentração está lá, bem presente dentro de nós e não a conseguimos aniquilar facilmente. É ela que nos faz comprar livros de colorir “para adultos” com imagens que pintamos com lápis de cor como se fossemos crianças de 5 anos, precisamente porque a nossa capacidade de concentração está a ficar igual à de uma criança dessa idade. Alguns fazem tricot, outros Yoga, outros escrevem e leem em busca de um certa quietude interior e de um “desligamento” momentâneo que o excesso de tecnologia e informação nos tiraram).

Os nossos”tweets” não podem ultrapassar os 140 caracteres, a actualização constante dos nossos estados no facebook é feita com frases breves e os “emojicons” são quase obrigatórios senão ninguém tem paciência para ler o que escrevemos. Vivemos no tempo da defesa dos “pitchs” de três minutos, dos “soundbites” e das infografias que reforçam a representação visual da informação condensada e esquematizada. Vivemos no tempo em que somos constantemente bombardeados com fotos e mais fotos com uma composição estética semi-profissional e vídeos de 15 segundos no instagram para nos prender a atenção. Os blogs que líamos com prazer vão fechando para dar lugar a contas no “instagram” porque cada vez mais bloggers preferem comunicar através de fotos do que através de palavras.

A pouco e pouco vamos aceitando sem discutir nem reflectir uma coisa que é um pouco triste: a imagem está a tornar-se mais importante que a palavra!

Como muitas outras pessoas quero contrariar isso. Quero “agarrar” o tempo que é tão voraz. Não quero “tweetar” os meus pensamentos nem as minhas opiniões, nem “instagramar” a minha casa, a minha roupa, os meus animais, os meus livros e as minhas meias. Quero estar dias, semanas e meses sem actualizar os meus estados no facebook. Não quero tirar selfies em casas de banho. Não quero ter um vlog, nem quero comunicar exclusivamente através de fotos.

Quero perder-me completamente num livro. Quero ler, pensar e escrever, fundamentar, e argumentar as minhas ideias e opiniões. Escrever só pelo prazer de escrever para tentar passar a paixão e o entusiasmo que as coisas me causam.

Quero ler devagar um livro sem cobranças, sem pressas nem preocupações de estar a ficar para trás no desafio de leitura do “Goodreads”, ou reler um livro do qual tive saudades simplesmente porque me deu na gana e não porque é o bestseller do momento ou o último livro “hipster” que toda a gente está a postar nas redes sociais.
Quero o prazer inexplicável que advém da gratificação adiada de esperar fiel e pacientemente 2 ou 3 anos por uma série de televisão que adoro, ou 4 anos para ver novamente a banda da minha vida.

Não tenho problema nenhum em esperar por uma coisa porque sei que há coisas que obrigatoriamente levam o seu tempo a crescer, a amadurecer, a criar. É perfeitamente normal esperar. (há coisas pelas quais temos que esperar e nalguns casos temos que lutar por elas e temos mesmo que as merecer).

Aceito perfeitamente que o mundo mudou e evoluiu, eu é que já não o consigo (nem quero) acompanhar. Sou imperfeita, feia, inculta, pouco inteligente, pouco sociável, pouco prendada, pouco viajada e nada “cool” num mundo onde pelo menos online, toda a gente é perfeita, bonita, culta, inteligente, sociável, prendada, viajada e muito “cool”.

Ainda assim ninguém me tira a ideia que ler um livro (de 50 ou de 500 páginas) no mundo actual – onde há milhões de distracções visuais a seduzir-nos na forma de séries novas a estrear no Netflix, actualizações constantes dos estados dos nossos amigos no facebook, vídeos novos imperdíveis de gatos fofinhos no Youtube, novos “Memes” hilariantes a serem criados a cada segundo – é um dos maiores actos de rebeldia que podemos ter contra o sistema.

10 thoughts on “Livros, leituras e a actual guerra das imagens contra as palavras

  1. “A constante necessidade de velocidade do mundo actual faz-nos também olhar com falta de interesse e paciência tudo o que seja demorado, difícil, que nos exija esforço, trabalho e seja consumidor de tempo. Estamos a ficar dormentes e formatados para temer e evitar tudo o que envolva parar, observar, reflectir e pensar profundamente as coisas.”

    Tão verdade e por mais que me custe admitir, eu própria sinto que no atropelo de ser bombardeada em todo o lado por informação mais ou menos relevante, neste formato de urgência onde conta a velocidade a que faz uma piada primeiro que todos, ou se divulga uma notícia, eu própria me sinto muitas vezes a perder essa paciência quando as coisas exigem mais de mim do que uma breve atenção. Mas cabe-nos a nós controlar e contrariar isso.

    Ps: Ah e eu adoro livros com mais de 500 páginas, que me duram uma eternidade a ler e que durante esse tempo fazem parte de mim quase como um amigo =) Fico sempre triste quando partem…

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    • Sim, esse bombardeamento de informação faz com que tenhamos todos um défice de atenção colectivo 😛
      Eu também sinto o mesmo, confesso que já senti mais e tenho feito um esforço para não estar tão “dependente” de tanta informação, exactamente porque sento esse “adormecimento” e essa desatenção… Cabe mesmo a nós tentar focar no que é relevante!

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  2. Excelente reflexão!
    É o agora, é o para já, parece que tem tudo medo de esperar ou de não ver ao minuto que se passa, exactamente com medo de não se ser relevante, de não estar ao corrente do que se passa, pois se eu não existo no mundo virtual eu não existo. Partilho, logo existo 😛
    É uma nova adição que está a moldar a forma de estar das pessoas, tal como uma outra droga qualquer. Por isso sim, quando se pára para ler um livro, para conversar com amigos sem pegar no telemóvel ou simplesmente para estar em casa, dar um passeio, ou simplesmente estar… Tens toda a razão, isso sim são actos de rebeldia nos tempos que correm.

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  3. tchiiiii tanta letra!! … Ganda trabalheira ler isto tudo! Vai-me roubar tempo precioso que preciso dedicar à minha dose diária de Inutitlest, Exibistogram, Futilbook, tumberles e cenas bué interessantes e coiso!
    Não dá para resumires isto tudo em 140 caracteres? 😉

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      • Tradução para a querida Doris:

        “OMG”- acrónimo da expressão inglesa “Oh My God” que na língua portuguesa significa “Oh Meu Deus”.

        “Squeee!”- Expressão reveladora de entusiasmo e de grande excitação muito apreciada pelos fandoms.

        “LMAO”- Acrónimo de ‘laughing my ass off’, em tradução livre será algo como “urinei-me de tanto rir”.

        “Awwwww”- Expressão utilizada para descrever algo que (dependendo da entoação) tanto pode ser fofinho, triste, bom ou mau.

        “To Ship” (diminutivo de relationship/relacionamento) é precisamente defender um relacionamento, principalmente romântico, entre personagens fictícios. Um Shipper é um termo muito utilizado entre fãs de histórias e principalmente séries de tv para designar aquelas pessoas que discutem os relacionamentos românticos entre personagens.

        “OTP”- Acrónimo em inglês: One True Paring (na tradução literal um “único casal verdadeiro”). Um OTP é o casal favorito de um Shipper, ou seja, aquele casal que ele torce mais para que dê certo do que seus outros “ships”.

        “I can’t even”- Expressão informal bastante genérica utilizada quando a pessoa “não tem palavras” para descrever o que está a sentir ou a pensar, seja por um motivo bom ou mau.

        “The feels”- Diminutivo de feelings (sentimentos). Expressão usualmente utilizada quando se viu algo triste.

        “XOXO” expressão que não pode ser traduzida. Significa “Hugs and Kisses”, em português, abraços e beijos. É também uma sigla visual (a letra X parece uma pessoa de braços abertos e a letra O a forma de uma boca quando beija).

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      • Awwwwww ( com tom fofinho) I can’t even coiso pá!
        Quer queiras ou não somos um gande OTP!!
        Y ( diminutivo de You)
        A ( diminutivo de Are)
        M ( diminutivo de My)
        BFF ( não precisa de explicações 😉 )

        TÓTÓ ( Que é practicamente a mesma coisa que xoxo só que neste caso são duas tontas a dar um abracinho e um beijinho … com uma lagriminha e tudo… ou será cuspico?..)
        WTV ( diminutivo de whatever)
        FUI ( que é mesmo isso, fui de ir, de já não está cá quem falou, de vou-me calar, neste caso parar de escrever…)
        Ok ( que também é um acrónimo, mas dá muito trabalho explicar … )
        Pronto
        Agora é que é
        BYE BYE ( diminutivo de Goodbye)

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  4. Nos dias de hoje não basta ir, não basta dizer que se foi, temos de mostrar que fomos, e mesmo que não se goste do que ao se vai , vamos para mostrar ao mundo q fomos porque senão não fomos e não somos!

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