Vingadores- Guerra do Infinito (como pode ser bom o grande cinema de entretenimento)

Não me recordo da última vez que entrei numa sala de Cinema com tanto receio de ver um filme (e não gostar).

Se calhar é porque me dizem que estou prestes a testemunhar um momento verdadeiramente histórico e apoteótico em termos de cinema de entretenimento. Ou porque fazem questão de me informar (diversas vezes) que “Infinity War/Guerra do Infinito” é o culminar de 10 anos de história no Universo Cinematográfico da Marvel. Estes factos não só não me impressionam muito, como não fazem nada para acalmar os meus receios, mas como tenho crianças vestidas com t-shirts do Capitão América e do Homem-Aranha sentados ao meu lado no cinema em grande excitação, tento disfarçar a minha descrença e falta de entusiasmo.

Contam-me também que este Guerra do Infinito é já o terceiro filme da saga dos Vingadores e esse facto ainda me deixa mais receosa – como não vi os outros filmes dos Vingadores não sei se vou conseguir apanhar a história que está para trás. Mas de facto, não tenho grande dificuldade em fazê-lo. Apesar de entrarmos no filme a meio de uma narrativa, a história não precisa de grandes introduções para se apanhar logo o fio à meada: há um Vilão (Thanos) que acabou de destruir o planeta-natal do Deus Trovão Thor para roubar a Pedra da Realidade e não descansará enquanto não tiver reunido todas as Pedras do Infinito além desta: Poder, Tempo, Mente, Espaço, e Alma. Quem conseguir reunir todas as Pedras possuirá o controlo total sobre o universo, obviamente todos os super-heróis da Marvel vão unir esforços para tentar impedir o vilão de o conseguir.

A céptica em mim simplesmente não acredita que vão caber ali naquele filme tantos super-heróis (26!), tantos efeitos especiais, tanta expectativa, e tanta história sem se atropelarem personagens, narrativas e universos.
São muitas incógnitas e muitas variáveis. É impossível isto resultar.

E este é o meu primeiro equívoco.
Com surpresa, admito que os 2 argumentistas de Guerra do Infinito (Christopher Markus e Stephen McFeely) são extremamente habilidosos na tarefa de equilibrar tantas figuras na história fazendo ali a única coisa que se pode fazer num caso como este: dividir os super-heróis em super-equipas que se juntam por força das circunstâncias e das necessidades. Dão as cartas, baralham e voltam a dar e conseguem que a narrativa flua de modo exemplar do drama, para a comédia, para a acção sem que nunca se perca o fio condutor da narrativa e sem que as personagens percam o humor característico de cada uma e principalmente, mantenham o respeito pelas personalidades/identidades previamente estabelecidas nos filmes em nome próprio (o que me parece um grande feito) e no caso de alguns deles como: Gamora, Ironman, Dr. Strange e Thor conseguem mesmo que haja um crescimento/desenvolvimento de personagem extremamente interessante e bem conseguido (outro dos grandes méritos do filme).
A fórmula para misturar todos estes ingredientes com equilíbrio, graça e inteligência parece fácil, e no entanto, o universo DC e o universo Star Wars não o conseguiram fazer!

As divisões de super-heróis em super-equipas (muitas vezes as mais improváveis como a equipa Thor/Rocket/Groot) causam interacções inéditas, sequências divertidissímas, piadas e diálogos hilariantes e fricções de personalidades extremamente engraçadas como Ironman/Dr.Strange, Thor/Quill e mais tarde Iron/Strange/Spiderman e os Guardiões da Galáxia que fazem rebentar o cinema de riso.

Ninguém fica esquecido e todos têm direito ao seu momento para brilhar na Guerra do Infinito. Até o manto da levitação do Dr. Strange, uma relíquia que é senciente (isto é, tem a capacidade de sentir sensações e sentimentos de forma consciente) e tem a sua personalidade, vontade-própria (foi ele que escolheu o “dono” Dr. Strange e não o contrário) demonstra as suas opiniões e lendário mau feitio ao fazer aquilo que quase todas as personagens no universo Marvel querem secretamente fazer (mas não se atrevem)- dar uma merecida palmada a Tony Stark/Ironman (Robert Downey Jr).

No momento em que a equipa Ironman/Dr. Strange/Spiderman entra em acção já estou a gostar do filme. Esta equipa que junta dois dos meus actores preferidos, tem o papel mais preponderante no filme (e será aquela que também terá os momentos dramáticos mais importantes). As interacções entre as 3 personagens são hilariantes: Ironman pergunta ao Feiticeiro Supremo Dr. Strange o que é que ele faz mais além de encher balões em festas de crianças, e Dr. Strange (naquela que é para mim a melhor piada do filme) pergunta a Ironman qual é exactamente a natureza da sua relação com o Homem Aranha, se ele é o seu “protegido”. Insinuando não só uma relação gay entre estes 2 mas fazendo também piada à DC (e à relação de Batman e Robin).

É grande a química entre RDJ e Cumberbatch e é difícil uma pessoa não se rir com choque de personalidades e embate dos egos gigantescos de Ironman e Dr. Strange- cada um a tentar provar que está menos impressionado com o outro do que realmente está- tal como é igualmente difícil não nos deixarmos contagiar pelo entusiasmo juvenil do Homem-Aranha (Tom Holland) por finalmente o deixarem pertencer aos Vingadores (e por estar numa nave espacial em forma de Donut, com o Ironman a tentar salvar o Dr. Strange e a pedra do tempo de um alienígena com cara de lula).

A partir desse momento do filme já não sei bem o que está a acontecer comigo porque quando o Capitão América tem a sua entrada triunfal à super-herói saindo da sombra para salvar Vision (que tem a Pedra da Mente)e Scarlett Witch) e a audiência no cinema desata a aplaudir esta entrada- eu em vez de rolar os olhos por essa manipulação óbvia dos Irmãos Russo – já estou a aplaudir com mais força que eles e quando T’Challa o jovem rei de Wakanda entra em cena, só uma grande força de vontade me impede de gritar “Wakanda Forever”.
Suponho que estou a ser vítima da magia do poder do Universo cinematográfico da Marvel.

Mas há muitas outras cenas deliciosas que se podem ver em ‘Infinity War’ , algumas grandiosas outras hilariantes que vale a pena listar porque se piscarmos os olhos corremos o risco de as perder:

– As dificuldades de “performance” de Hulk durante o filme inteiro;

– A piscadela de olho incrivelmente provocadora de Dr. Strange a Tony Stark e o esgar de resposta deste.
– A indignação “como te atreves a falar assim com o teu pai” do manto da Levitação de Dr. Strange quando o Homem-Aranha “responde” a Tony Stark;
– Ironman e Homem-Aranha salvarem Dr. Strange reencenando uma cena famosa do filme Alien;
– o medo que o Homem-Aranha tem de extra-terrestres;
– Os ciúmes que Peter Quill tem da masculinidade de Thor;
– Groot a sacrificar um braço para salvar Thor e o seu martelo;

– As tentativas frustradas de Tony Stark para liderar e organizar uma estratégia e um plano de ataque com os caóticos e desorganizados Guardiões da Galáxia;

– Toda e qualquer cena em que entram os Guardiões da Galáxia;

O meu segundo equívoco foi acreditar que num filme de super-heróis, o vilão roxo Thanos não teria grande profundidade ou densidade psicológica. Outro engano porque os escritores e realizadores de Infinity War esfalfaram-se à séria para garantir que Thanos(Josh Brolin) fosse mais que o óbvio e previsível vilão mauzão unidimensional dos desenhos animados (que seria tão fácil meter aqui).
Não só em termos de utilização do CGI- Thanos é uma personagem visualmente tão “real” quanto as outras personagens humanas- mas principalmente pelo estudo de carácter e personalidade, que pretende fazer-nos entender as razões e motivações que estão por trás do seu comportamento. É muito pouco habitual ter-se este cuidado e preocupação num filme de super-heróis. (Parece óbvio e fácil mas lembremo-nos que o filme que ganhou este ano Oscar de melhor filme do ano “A forma da água” não o conseguiu). Por isso uma grande vénia ao Vilão Thanos- não só um grande vilão Marvel mas certamente um dos mais interessantes que se viram nos últimos anos no cinema.

E é esta a verdade sobre Guerra do Infinito: mesmo quem não seja fã dos 18 filmes Marvel, desconheça toda a história anterior do seu Universo Cinematográfico e nunca tenha visto um único filme de super-heróis na sua vida terá muita dificuldade em não gostar (nem que seja só um bocadinho) desta Guerra do Infinito. Simplesmente não é possível servirem-nos um filme de entretenimento deste calibre, a esta escala monumental, com este cuidado e rigor narrativo, com esta inteligência nos diálogos e nas piadas sem que nos arranquem no mínimo um sorriso e uma gargalhada sincera e na melhor das hipóteses sem que nos façam gostar destas personagens e sofrer com elas.

Eu que não sabia praticamente nada sobre a Marvel, confesso que sofri por Tony Stark/Ironman (o homem que tem tudo e não tem nada) que vi confessar no início do filme que quer ter um filho e vi acabar o filme com o seu filho adoptivo a morrer-lhe nos braços.

Vi o vilão Thanos sacrificar a vida da sua filha por uma Pedra, o que reflecte a acção oposta do Dr. Strange que sacrifica uma Pedra para salvar uma vida (a de Tony Stark) e tendo ainda visto os 14.000.605 cenários possíveis futuros sacrifica-se a si próprio para salvar o Universo. (Espero que depois disto a Ben and Jerry’s tenha a cortesia de criar um sabor de gelado com o nome dele, que seja mais delicioso que o ‘Stark Raving Hazelnuts’ ou o ‘Hulk-A-Hulk-A-Burning-Fudge’ juntos!).

De facto sei muito pouco sobre este universo mas sei o suficiente sobre histórias para saber que essas grandes decisões e escolhas morais interessantes serão absolutamente decisivas e importantes no próximo filme dos Vingadores e a longo prazo farão os Vingadores ganhar a Guerra contra Thanos.

Por último, sei que se o multi-milionário Tony Stark, CEO da empresa Stark Industries tivesse tentado explicar a Thanos que a transformação das sociedades é feita através da distribuição equilibrada de riquezas, recursos e propriedades e não através do Genocídio selectivo talvez se tivessem evitado todas estas chatices.
Mas nesse caso, eu também não me teria divertido tanto quanto é possível uma pessoa divertir-se numa sala de cinema, nem nunca teria visto um filme de super-heróis que me fizesse ficar a pensar tanto nele depois de o ver e a ponderar em todas as suas questões morais, sociais e filosóficas